segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

69. Amor de mãe

69. Amor de mãe

De repente começo a acordar, meus olhos não se abrem, começo a ouvir não sei exatamente o que, sinto-me bem, acolhido, húmido, aquecido. Vejo que cresço a cada dia, estou bem, estou feliz. Agora ouço mais vozes, não identifico o que dizem, estou apertado, não posso me mover como eu gostaria, já sinto meus dedos, minhas mãos, meus olhos se abrem, minha boca consegue se mexer, me movimento a cada dia mais.

Hoje sinto no dia um gosto diferente, como se eu não coubesse mais aqui, estou quase saindo, ouço gritos a cada contração que sinto ao meu redor, dentro de mim percebo que meu mundo está prestes a mudar. Em minha cabeça uma grande confusão.

Olho para cima, vejo um ponto de luz, algo que eu nunca conheci, era tão bonito, encantador. As contrações se aumentavam enquanto a luz a cada instante tomava mais meu lugar, quando finalmente consegui ir ao seu encontro ela me cega, a luz branca artificial era tão intensa que não pude a princípio reconhecer face alguma, mas pude entender a silhueta de alguém que, não sei por que, me pareceu a mais bela de todas, deitada, parecia que dela eu saia naquele instante, e uma senhora com cabelos longos dali me tirava, minha visão começava a desembaçar, comecei a ouvir vozes entendê-las, de olhos direcionados ao chão senti que devia chorar devido aos tapas que senti, não sei por que, a senhora me pegou em seu colo, e tentou sugar minha vida, ao tocar seus lábios em meu nariz percebi, pude então respirar melhor, eu não fazia isso, não entendi a princípio, comecei a me acostumar depois de ouvir uma cuspidela ao chão, do outro lado da sala ouvi: - Parteira, a tesoura já está lavada. Ela então corta a ligação entre mim e a bela mulher deitada. Sinto-me vivo, mas em outro ambiente, não tão acolhedor, seco, frio.

A senhora me entrega em oferta à mulher, dizendo como se para que eu ouvisse: - Essa é sua mãe. Meus olhos se encharcaram, tentei esboçar um sorriso, em vão, não pude controlar meus músculos, senti que devia chorar, algo dentro de mim desejou que eu me alimentasse, por um instante senti que precisava do colo daquela que eu achara tão bela. Não pude deixar de perceber quando em sinal negativo balançava ela sua cabeça tendo sua mão esticada em palma, com os dedos abertos. Não entendi direito, será que ela se rejeitava a me tomar em seus braços? Como em ordem a senhora me coloca, à força, sob os braços de minha mãe, ela não pode resistir. É então que encontro seu seio e entro em êxtase de felicidade, era tudo o que eu precisava.

Não me lembro bem dos três dias seguintes, mas não pude deixar de notar quando o sol começava a brilhar sob meus olhos, no colo, sentindo que eu flutuava sobre o chão, eu era carregado nos braços da minha mãe, aquela que me deu a vida, aquele a quem sinto forte sentimento, com quem me sinto melhor. Em um braço estava eu, na outra mão um cesto, perto dágua, no grande rio próximo à minha casa, senti-me triste quando fui colocado no cesto, um incomodo, algo me espinhava às costas, e um pano começou a me cobrir, o sol começava a se esconder, só pude então ver uma fresta de luz, num buraquinho no pano, por ele notei um olho da minha mãe, eu não queria estar ali, não entendia o porque dela me colocar ali, o cesto então foi arrastado até a água, comecei a me enjoar, eu não chorava, não entendia o que acontecia, pensava que por aquela ser a minha mãe ela sabia o que fazia e entendia que seria o melhor para mim, não sei por que, não me sentia bem. Já estava com fome. Ouvia gritos desesperados, ordenando ao cesto que se afastasse, a voz ia ficando cada vez mais baixa, até que sumiu, pelo buraco no pano apenas podia ver o sol tentando me queimar, minha vontade era de então chorar. Meu pranto era inaudível. Minhas lágrimas me afogavam. Água começava a entrar no cesto, comecei a afundar. A cada tentativa por respirar meu choro era mais alto. Desesperei-me, senti que estava sendo abandonado. Nada fiz além de amar, e assim me foi retribuído. Estou triste, a água invade o cesto ainda mais, até que então a correnteza me lança a uma das margens, nada mais sei, nada mais sou além de uma criança em prantos.

A cada soluço me é lançado uma porção de água. Tento me calar, é em vão. Tento me mover, não posso. Não domino meu corpo. Não posso fazer nada além de chorar. Estou triste. Aos poucos volto à água, nada mais posso fazer, apenas me afundar, o cesto vai descendo, e eu com ele, a água me toma começo a bebê-la, começo a respirá-la, nada posso fazer contra isso, sou lançado de uma pedra a outra, meu corpo dói, não consigo me mover. Por ultimo, meu corpo já quase sem vida é arrastado pela correnteza até a areia, onde minha pequena boca se resseca ao engolir aquilo, não estou feliz, sinto saudades da minha mãe, do aconchego de antes da luz, já meio que desfalecido ali fico, por horas, até que não sei ao certo se sou resgatado. Depois disso de nada mais me lembro, apenas do amor que senti, e do carinho que desejei.

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