terça-feira, 6 de abril de 2010

73. Vida da minha história

73. Vida da minha história

Não vou abrir mão da minha única vida em busca de um futuro incerto. Não me faço feliz nem infeliz, nem nada. Sou nada além de agora, meu passado deixou de existir assim como o futuro que ainda não é, nem foi, apenas talvez será. Absoluto é o passado, o futuro é relativo. Fazer deixar o hoje de existir é como me deixar no futuro esquecer-me de meu passado. Talvez por ele nem ter existido na prática. Incrível que as lembranças que temos normalmente se resumem a feriados prolongados e férias extensas, viagens, passeios, só o divertimento gruda-se, em bom espaço, nas memórias.

Como devo eu ousar não escrever minha própria história, deixando de sentir cheiros e gostos, correr por gramados e repousar nas sombras de uma grande árvore. Quero me lembrar das raízes, das formigas, do espinho no meu pé esquerdo, das picadas de abelha, do café com queijo e biscoitos, das amoras rente a muro, dos grandes monumentos nas praças, dos giros, do suor na camisa que nem quero mais vestir antes de lavar, do passeio à cavalo, das pernas doendo ao fim do dia. Quero não esquecer-me nunca dos longos beijos, dos dentes se batendo, daquele olhar de canto quase que sem piscar, sua respiração, seu cheiro. Minha memória deve ser tão profunda a ponto de eu poder jogar nela tudo o quanto minha vida pode me fortalecer.

Meus segredos são minhas lágrimas, sozinho no banheiro a água do chuveiro se confunde com a dos meus olhos. Minha face fronte ao espelho me mostra um soluço, meus cabelos escorridos agora seguro tão forte quanto fosse arrancá-los, sinto-me feio, triste, não me acostumo comigo. Não me reconheço. Por um flash penso apenas me observar naquele escândalo, quando vejo, quando penso, quando volto a mim, não vejo motivos, a não ser a dor da minha implosão de felicidade. Não posso descrever, mas às vezes sinto que mereço chorar. Mereço sentir além de viver. Penso que devo não só ter uma história, mas quero também sentir, curtir, estar não só presente, mas atuante em minhas lembranças, como ser consciente, quero ser autor, protagonista e não só figurante, não quero ser testemunha.

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